Pode me chamar de gay, não está me ofendendo. Pode me chamar de
gay, é um elogio. Pode me chamar de gay, apesar de ser heterossexual,
não me importo de ser confundido. Ser gay me favorece, me amplia, me
liberta dos condicionamentos. Não é um julgamento, é uma
referência.
Pode me chamar de gay, não me sinto desaforado, não me sinto
incomodado, não me sinto diminuído, não me sinto constrangido.
Pode me chamar de gay, está dizendo que sou inteligente. Está
dizendo que converso com ênfase. Está dizendo que sou sensível.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que me preocupo com os
detalhes. Está dizendo que dou água para as samambaias. Está dizendo
que me preocupo com a vaidade. Está dizendo que me preocupo com a
verdade.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que guardo segredo. Está
dizendo que me importo com as palavras que não foram ditas. Está
dizendo que tenho senso de humor. Está dizendo que sou carente pelo
futuro. Está dizendo que sei escolher as roupas. Pode me chamar de
gay. Está dizendo que cuido do corpo, afino as cordas dos traços.
Está dizendo que falo sobre sexo sem vergonha. Está dizendo que
danço levantando os braços.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que choro sem o consolo dos
lenços. Está dizendo que meus pesadelos passaram na infância. Está
dizendo que dobro toalha de mesa como se fosse um pijama de seda.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou aberto e me livrei
dos preconceitos. Está dizendo que posso andar de mãos dadas com os
anéis. Está dizendo que assisto a um filme para me organizar no
escuro.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que reinventei minha
sexualidade, reinventei meus princípios, reinventei meu rosto de
noite.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que não morri no ventre, na
cor da íris, no castanho dos cílios.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou o melhor amigo da
mulher, que aceno ao máximo no aeroporto, que chamo o táxi com grito.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que me importo com o
sofrimento do outro, com a rejeição, com o medo do isolamento. Está
dizendo que não tolero a omissão, a inveja, o rancor.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que vou esperar sua primeira
garfada antes de comer. Está dizendo que não palito os dentes. Está
dizendo que desabafo os sentimentos diante de um copo de vinho.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou generoso com as
perdas, que não economizo elogios, que coleciono sapatos.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou educado, que sou
espontâneo, que estou vivo para não me reprimir na hora de escrever.
Pode me chamar de gay. Que seja bem alto. A fragilidade do vidro
nasce da força e do ímpeto do fogo.
Pedro Bial, é jornalista da TV Globo.
p.s.: carpe diem!
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